Seja Bem Vindo!

Eu não preciso de ti. Tu não precisas de mim. Mas, se tu me cativares, e se eu te cativar...Ambos precisaremos, um do outro. A gente só conhece bem as coisas que cativou, por isso tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas!

(Antoine de Saint-Exupéry).


quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Pequeno dicionário idiossincrático da memória



Desejo, s.m., é uma fome deliciosamente itinerante que impregna a um só tempo todos os sentidos e que podemos saciar cada dia de uma nova maneira e, por isso, esperar que ela siga sempre inesgotável.

Ingenuidade, s.f., é uma menina que nasceu com um colar de pérolas rebentado no pescoço e que brinca de olhos fechados num imenso jardim de tragédias enquanto vai perdendo, sem notar, uma a uma todas as suas crenças.

Saudade, s. f., é uma fruta agridoce que nasce na alma de quem se permitiu viver e amar. Pode trazer em si o gosto mais amargo do mundo, que é o do que já fomos e não podemos mais voltar a ser. Excepcionalmente a encontramos ainda flor (das mais lindas que existem): é quando ela ainda está tingida de expectativas e é saudade do que está por vir.

Amor, s. m., é um código secreto e perfeito decifrável mediante duas chaves - que podem nunca se encontrar, que podem estar perto e nunca serem usadas, que podem não serem usadas porque quem a possui não aprendeu como. Mas quando elas se encontram, e o código é decifrado, somos levados eternamente enquanto dura à paz de termos e nos fazermos casa um no outro.

Distância, s. f., é a medida do espaço que se impõe entre pessoas e que é tão mais difícil de transpor quanto menos ela esteja no mapa e mais ela esteja na alma.

Intimidade, s. f., é um par de pantufas fofinhas, já bem gastas e aconchegantes, que usamos em casa e emprestamos só para quem amamos muito.

Silêncio, s. m., é quando a voz de dentro é tão alta que cala a voz do mundo e faz um ninho líquido onde podemos descansar até de nós mesmos.

Alegria, s.f., é uma festa que se instala no corpo e nos enche de champanhe.

Cansaço, s.m., é um casaco grosso que vai ganhando peso cada vez mais rápido com o passar dos anos e que fica cada vez mais difícil de tirar quando dormimos.

Felicidade, s. f., é a exata medida e dura o exato tempo do sincero contentamento em, naquele instante, sermos quem somos, estarmos onde estamos e fazermos o que fazemos, comprometida de forma inversamente proporcional pelo desconforto que isso nos causa perante os outros.

Tristeza, s. f., é um lago de águas paradas e frias, habitado por peixes cegos que um dia foram sonhos, onde é sempre noite e onde, às vezes, vemos a nossa face refletida mais claramente do que em qualquer outro lugar.

Resignação, s. f., é a desistência que em vez de abandonar o barco, se deixa levar pela correnteza.

Paixão, s.f., é o quarto estado da matéria, onde a desorganização das moléculas chega ao auge, o calor tende a passar de um corpo a outro e vice-versa, a entropia tende a aumentar cada vez mais em recinto fechado e a temperatura tende ao infinito absoluto.

Ansiedade, s. f., tipo de papel especial para embrulhar estômago que geralmente faz com que se enfie os pés pelas mãos.

Solidariedade, s.f., é um paraquedas sempre de dois lugares, inclusive - e principalmente - quando não abre.

Desconsideração, s.f., é uma mulher vaidosa que passeia por horas a fio se olhando em um imenso espelho que é você quem carrega.

Angústia, s. f., é uma esperança que nos acena da porta, mas que a gente nunca sabe se está entrando, ou se está saindo.

Bestolho, s. m., é alguém que a gente ama absurdamente muito, que nos faz rir e chorar de feliz e que, na falta - e na desnecessidade - de palavras para explicar sempre e cada vez o quanto a gente gosta que ele faça parte da nossa vida, a gente insulta de bestolho.

Sintonia, s.f., são dois olhares que cruzam seis pistas na hora do rush para juntar uma mesma flor no meio do asfalto que mais ninguém viu. Não tem preço, não se reproduz em cativeiro, não prospera em ambiente controlado: ou há, ou não há. No primeiro caso, nos dá a confortante impressão de que não estamos sozinhos.

Lembrança, s.f., é uma gaveta cheia de cheiros e forrada de papel de seda que acomoda cuidadosamente as melhores coisas que recolhemos na vida, cuja chave está sempre ao alcance de um fechar de olhos.

Sonho, s.m., é a vida que o melhor em nós escolhe, a despeito de todo o resto.
(Do blog da Ticcia)

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